AUTOCONHECIMENTO E PSICOLOGIA
É interessante como o assunto do autoconhecimento só aparece na hora do sofrimento ou dor psicológica. O inventário do que somos apenas nos toca se as coisas não deram certo ou perdemos algo que julgávamos importante. A primeira definição para o autoconhecimento é a aceitação plena de todos os sentimentos que habitam a alma humana, deixando de lado a hipocrisia ou fala social de que não sentimos determinadas emoções, do tipo: raiva, ódio e vingança. A tão almejada paz interior só advém quando não negarmos o que permeia a vida. O mais importante é a percepção constante e ativa sobre o que mais nos consome ou desgasta; assim como o que nos gera crescimento e sabedoria. A própria busca do prazer se torna problemática, pois boa parte do mesmo se torna nocivo no âmbito psicológico. A psicologia no decorrer das décadas generalizou nessa questão, ao não se discutir individualmente e eticamente a questão do prazer e profilaxia mental. O mais interessante na questão do autoconhecimento é seu caráter paradoxal, pois ao mesmo tempo em que se trata de uma busca essencialmente individual, o espelho de nossa alma só será revelado nos relacionamentos que efetuarmos. A solidão pode ser uma etapa de reflexão, mas também algo gerador de imensa tristeza e dormência para o sujeito. Cada ser humano carrega potencial e concomitantemente o que poderíamos chamar de falha trágica individual, sendo uma somatória de dificuldades ou bloqueios que impedem o fluir de determinadas emoções ou etapas que potencializem a evolução da pessoa; então a sabedoria é não amplificar tal carga histórica.
A busca pelo autoconhecimento ocorre por se intuir que o mesmo poderá aplacar todas as conseqüências negativas do stress e ansiedade. Isto é verdadeiro em parte. Determinado sistema filosófico ou religioso como dizia *JIDDU KRISHNAMURTI só embota a mente. Vivemos no passado e expectativa do futuro. O presente se torna espera, ansiedade e sofrimento, transformando nossa essência em coisa morta. Quase nunca conseguimos encarar o problema do desejo; ou é uma saudade corrosiva de algo que perdemos, ou um desejo de segurança e retenção de algo que nos dá prazer, mas ao mesmo tempo sabendo que irá cessar. Infelizmente repetimos a todo tempo experiências negativas e desagradáveis, e nos tornamos escravos de relacionamentos mórbidos. Se pensarmos na vaidade, a mesma até que seria legítima se reclamássemos uma parcela pessoal de reconhecimento perante uma ação ou criação de caráter coletivo. Todos procuram livros ou manuais de como se conhecer, alastrando a indústria da auto-ajuda. O único teste confiável é a reflexão sobre o por que ou não gostamos de viver, e as conseqüências dessa resposta em nosso cotidiano. Outro ponto falho é procurar apenas no passado às explicações para nossas atitudes ou comportamentos. As iniciais relações do bebê com os pais muitas vezes escondem atributos mais profundos da essência humana, sendo demonstrações exatas de aspectos energéticos e afetivos que irão perdurar; como exemplos: O lado masculino assinala a agressividade, demarcação de território e competição. O lado feminino não é uma somatória de afeto e amor, como poeticamente se coloca, mas encerra muitas vezes toda a carga de ódio do sujeito. O lado materno tem a supremacia de permitir se podemos ou não termos uma auto-estima, pois é uma espécie de “guru” de como historicamente recebemos e manejamos a afetividade, definindo muitas vezes nossa aptidão para sermos gostados. A criança irá também repetir as mesmas etapas psicológicas de angústia dos pais, em outro contexto, mas com o mesmo significado.
A realidade atual nos mostra que tanto o autoconhecimento como os processos de terapia são questões que envolvem um grande esforço num determinado indivíduo. Assim como está se desenvolvendo a terapia genética, baseada em remédios individuais, oriundos do código do D.N.A, psicologicamente qualquer distúrbio segue o mesmo traçado; devendo ser tratado de forma individual, afastando diagnósticos abrangentes. Todos carregam um desequilíbrio eminentemente pessoal, e a história da psicologia e psiquiatria pouco se importou com tal fato. Perceber a dialética do coletivo e unicidade de algo é o caminho mais fidedigno para uma compreensão do ser humano. Podemos neste ponto falar do tão conhecido embate em permanecer alienado ou ingênuo, e o receio da amargura e rancor caso se descubra verdadeiramente os segredos da vida. Tenho a dizer que o autoconhecimento, caso alguém o deseje, é um caminho sem volta. Jamais houve uma impunidade na descoberta da trama energética ou comportamental no âmbito dos relacionamentos. Em contrapartida podemos inferir que tanto o ser que se esconde da verdade, quanto o que a busca avidamente, sabem que pagarão determinado preço pelo ideal escolhido.
Quanto tempo nossas escolhas ou caminhos podem gerar prazer ou nos lançar no mais profundo abismo? Quando nos ressentimos profundamente por não conseguir uma mudança temos de ter a consciência de que tal coisa é a força do hábito potencializada pelo medo futuro e pregresso; principalmente quando nos lembramos de como foi extremamente difícil conquistar algo, e conseqüente receio de que o percamos, ou de não poder repor alguma coisa que nos preencha. Para nos conhecermos devemos fazer um levantamento histórico das coisas que priorizamos em nossa vida em detrimento de outras, e principalmente descobrir quando esse processo se iniciou, e suas causas e conseqüências. Muitos também falam de como é fundamental esquecermos o passado ou perdoar as faltas desferidas contra nossa pessoa. O perdão nada mais é do que um aspecto duplo de poder e erotismo; o primeiro é óbvio em sua essência de auto-engrandecimento, o segundo embora possa parecer estranho, atua na medida de um reforço para algo que se encontrava desgastado. Pensemos na reconciliação de namorados ou casais que após o ocorrido liberam dose extra de paixão ou sexualidade. Poder-se-ia falar ainda da não admissão da saudade ou apego, ou simplesmente uma trégua pela percepção da imaturidade de ambos; mas o centro desse problema é a liberação do amor depois de determinado trauma.
Autoconhecimento é sem dúvida alguma nossa percepção diária acerca das contradições; como exemplo nosso arraigado desejo de que alguém nos provenha contra todas as nossas investidas para sermos independentes. Outro dilema que se coloca é o por que de não conseguirmos efetuar anseios que nos pareciam ser possíveis. O que ocorreu? Falta de competência ou habilidade, não merecimento, a mística do azar, ou uma somatória de tudo? A psicologia respondeu que o motivo supremo da infelicidade sempre foi algum trauma escondido ou então o instinto de morte elaborado por Sigmund Freud, que dizia que o ser humano travava uma batalha para destruir tudo, com o intuito de voltar ao inanimado. Mas neste ponto se coloca o problema da alienação; sendo que a mesma também é um tipo de autoconhecimento. O leitor ficará mais confuso agora, pois perguntará como uma fuga ou resistência pode proporcionar algo. A resposta é que a alienação blinda o indivíduo do sofrimento e contaminação de qualquer tipo de sensibilidade indesejada, permanecendo mergulhado apenas em seu ego individual, como havia dito acima, embora com um preço a pagar. A história da humanidade ensinou como sendo uma opção segura o fato de não enxergar ou distorcer a realidade. Aceitar o poder sem crítica, a injustiça social ou qualquer meta estabelecida é um seguro contra a angústia não apenas da incerteza, mas do preço dilacerante e solitário da criatividade. Ser sempre foi muito mais do que ter ou qualquer tipo de posse, sendo um carisma individual e apaixonante por tudo o que vive e reflete na pessoa, desde os mais dolorosos conflitos, passando por uma abertura e disposição de lidar com o sofrimento e prazer.
Outro ponto crucial para o autoconhecimento é entender a questão do tempo. O vemos apenas numa dimensão de finitude, ao constatarmos que perderemos os poucos prazeres que obtemos na vida. A síntese da depressão segue este traçado; o por que melhorar algo que certamente irá cessar? A indolência e desistência nascem de determinada rebeldia contra alguma lei natural, sendo o sujeito em questão imaturo e infantil para a percepção de tão concreto fato. Voltemos agora à questão da contradição. Parece que as coisas que mais desejamos são as que mais causam dor: apego, matrimônio, desejo de segurança, dinheiro, vício dentre outros. A rotina nos dá um sentido de existência, mas também temos de encarar o tédio que suga a satisfação nata. Pensemos também na agressividade. A mesma é um instinto de autopreservação e afirmação, mas ao mesmo tempo reclama um cuidado diário como se fosse um recém-nascido. A raiva ou ódio jamais dá trégua para nossa mente. O leitor neste ponto novamente irá se queixar de vários conceitos difusos apresentados. Infelizmente o autoconhecimento é isso, um caldeirão inacabado de emoções pulsantes, que na maioria das vezes não conseguimos lidar. Talvez o caminho seja perceber o que reflete a era em que vivemos. Lembremos dos conceitos que chocaram o mundo: a evolução das espécies de DARWIN; o inconsciente de FREUD ao afirmar que não éramos donos de nossas ações; a luta de classes de KARL MARX, onde a burguesia almejava a hegemonia econômica e social, excluindo e explorando outros seres humanos; o desejo de poder e conseqüente complexo de superioridade e inferioridade de ALFRED ADLER. Pensando nos dias atuais, quais conceitos seriam os espelhos dos relacionamentos? O pânico de ser excluído, tédio por cumprir papéis e jornada de trabalho fixa, continuar a sobreviver apesar de toda infelicidade reinante, ser mera cópia de nossos ancestrais por medo de romper a seqüência mórbida de herança emocional, guardar sempre uma espécie de “bomba atômica” para ser usada contra quem mais amamos, caso sejamos frustrados em nossas expectativas.
Com toda a facilidade e
tecnologia de nossos tempos, não deveria existir empecilho para se atingir a
plenitude. Certamente tem se falhado em determinada área. A resposta é que
colocamos a competição no altar máximo da existência. A potência não está mais
a serviço da intimidade, sobrando à dor máxima e irritante da imitação e
frustração ao não obtermos algo que o outro conseguiu. Reforçamos a
hipocrisia da caridade quando na verdade vinte e quatro horas por dia somos
soldados concentrados em vencer batalhas contra outros seres humanos. A miséria
máxima é a necessidade da ansiedade como aferição do erro em nossa busca. Tem
sido muito difícil as pessoas perceberem que o sucesso tão almejado sempre se
torna rotina ou algo parecido com o tédio. Para se sentir vivo é necessário
competir, e fazemos isso todos os dias. Na competição se cria a ilusão da
superação da inferioridade, dissimulando o que nunca tivemos e talvez fosse o
essencial. Ter é disfarçar o que nunca possuímos, e ser é a batalha ou conflito
diário para esquecermos de tão sórdida realidade. Se queremos tanto a superação, por que surge o problema da economia ou
retenção em determinadas áreas da existência, como o dinheiro, por exemplo?
Parece que toda a superioridade tem como alma gêmea o terrível sentimento de
culpa. Se procura o destaque para depois remendar seqüelas. Se acumula e, por
conseguinte entramos em crise acerca de como aproveitar algo. Demoramos tanto
para obter um relacionamento e depois não conseguimos amar, sendo que
acumulamos inteligência e nos bloqueamos para a troca.
Apesar da tônica
social do consumismo desenfreado a lei máxima se dá pelo reverso, economizar
prazer, felicidade e troca.
Qualquer um sabe há muito tempo que a prioridade é o lado material,
sendo que se investe décadas em tal processo, mas, paralelamente onde se
encontra nossa verdadeira e derradeira miserabilidade? O distúrbio psicológico
é uma equação exata acerca da história de vida do indivíduo. Insegurança produz
pânico; ciúmes e egoísmo a mais pura paranóia; timidez leva à impotência sexual
psicológica, solidão e isolamento destrutivo. Escolhemos a doença mental que
será a exacerbação do medo perante determinada tarefa pessoal não realizada.
Por ser tão fácil a mudança é justamente a razão de não a efetuarmos. A razão
óbvia de tal afirmativa é o julgamento nocivo de não sermos merecedores.
Necessitamos do stress ou desgaste intensos para formularmos um esforço que
modifique nossa vida. A herança histórica e cultural não permite um sucesso
baseado na capacidade, acentuando que apenas o sofrimento extremo nos dará o
direito à algo. Cada um aprende desde cedo que ainda não deu sua cota de
sacrifício, entrando em contradição com o egoísmo e negligência diária para a
busca de um verdadeiro autoconhecimento. A essência do ocultismo em nossa
era é a descrença absoluta em nosso
potencial.
Aprofundando a questão material colocada anteriormente, poderíamos
perguntar por que o preenchimento da carência pelo consumismo é tão nocivo na
atualidade? Tal fato representa cada acontecimento passado de descaso ou inoperância
na afetividade, solidariedade e troca. Aprender o uso correto do dinheiro nunca
deveria passar por um insano desejo de superioridade, mas apenas o tornar-se
independente economicamente da família ou situações de constrangimento perante
necessidades básicas, refletindo constantemente sobre quais realmente são
nossos sonhos materiais que fazem diferença em nossa existência.
Estudar as raízes da insensibilidade em nosso tempo é fundamental para
o autoconhecimento. Quando tal fenômeno tomou nosso espírito? Quando uma das
pessoas mais próximas não esteve disponível na hora que mais necessitávamos?
Quando vimos o ódio surgir por alguém ter tirado proveito de nossa ingenuidade
ou dedicação? Ou que apesar de uma pessoa nos ter feito tanto mal, mesmo assim não
conseguimos eliminar a mesma de nossas mais profundas lembranças de prazer ou
desejo? Notem que o conflito se enquadra em praticamente todo o processo da
vida, e ao mesmo tempo todos tentam negá-lo. Esse é o drama máximo de nosso
sofrimento diário. A conscientização sobre o saber viciado é fundamental para o
autoconhecimento. Um exemplo é a falácia do ser humano ser eminentemente
social. Isto ocorre apenas na competição e agressividade citadas, sendo que no
aspecto pessoal e sentimental o mesmo é totalmente individualista e retraído; a
timidez é a mais pura prova de tal afirmativa. Não conseguimos fazer a
avaliação se todo nosso esforço diário resulta na mesma proporção de prazer ou
satisfação, ou apenas mais tédio e falta de sentido na vida. Autoconhecimento é
saber procurar ao menos em parte o lugar certo para nossas aptidões ou anseios.
Parece que o impedimento disso é o gosto diário pelo conflito. Por que
insistimos numa relação que já sabíamos que só espelhou sempre nossos mais
profundos desafetos? Por que insistimos num trabalho que corrói nossa força
vital? Para nós psicólogos poderíamos falar também da resistência das pessoas
em se submeter à psicoterapia, embora fôssemos acusados de ambiciosos ou coisa
similar. Porém, nada é mais deprimente para um ser humano do que se colocar
ou mostrar sua individualidade no lugar errado, por medo de escutar a verdade.
A própria essência da psicoterapia é mostrar ao indivíduo quais são as razões
reais para sua existência perante a curta passagem por esta vida. Acumular
dinheiro, prazer ou hedonismo. Intelectualidade, vaidade e narcisismo, fama e
desejo de imortalidade na adulação por outrem, envelhecer com alguém, ter
filhos, criá-los de um modo diferente. Realmente são muitas escolhas, e poucos
conseguem descobrir o que realmente dá um pleno sentido à vida.
No caminho percorrido por todos nas relações sociais, temos de perceber
o que mais acumulamos, amigos ou inimizades, e a razão de tal fato. A aferição
se o ódio, mágoa ou rancor nos trouxe algo de positivo é um dos mais difíceis
testes a serem efetuados. Tanto a pessoa que se nutre do conflito como o
hipócrita que almeja uma espécie de unanimidade em torno de sua imagem são
pessoas prepotentes e frustradas. Ambos centralizam tudo em seu ego, se
esquecendo da sua tarefa individual e social de proporcionarem também um espaço
para que outros possam adquirir algum ganho no contato com eles; infelizmente
essa é uma das maiores mazelas de nossa era, a recusa de se doar algo positivo.
O otimismo sem sombra de dúvida passa pela superação da inveja ou de crenças
negativas internalizadas. Assim como alguns ou muitos ascenderam
economicamente, apesar de constantes crises, no plano pessoal também
encontraremos pessoas com sua capacidade para amar preservada e sem medo de
deixar fluir seus sentimentos. Nossa realidade não é composta somente pela
miséria, nem tampouco por ilusão. O sofrimento não pode se tornar à medida fixa
e imutável da generalização. Combater tal axioma é a mais pura prova de coragem
e energia de vida de um ser humano. Os infortúnios nunca podem ser vistos como
combustível para o processo da depressão ou desesperança, mas apenas nos dizem
de nosso dever da continuidade, afinal de contas esta é mais simples regra da
vida. Devemos ser honestos e francos; estamos diariamente tão absortos no
processo da competição que como resultado não conseguimos utilizar o “melhor”
para nós mesmos, criando o conflito psicológico diário, este é sem dúvida
alguma o núcleo do chamado stress.
Um fator importante para a discussão neste texto é se as conquistas
tecnológicas podem ou não ampliar ou ainda dificultar a questão do
autoconhecimento. Será que em tempos remotos o mesmo seria mais fácil?
Logicamente nossa era fomenta uma constante distração ou desatenção na busca de
valores humanos, fato inegável. O problema é que toda essa parafernália serve
justamente para a finalidade descrita, sendo que a questão não passa por nada
material ou avanço científico, mas que poucos têm consciência do “soberano” de
nossa alma: o medo. Nunca tão inato aparato se desenvolveu de tantas formas no
psiquismo humano. Praticamente todas as nossas ações diárias têm o intuito de
afugentá-lo, e o efeito é drasticamente o oposto. São tantos eventos do tipo:
obsessões, auto-imolação, pensamentos catastróficos, pânico súbito e
incompreensível. Sem dúvida um prato cheio para a indústria do remédio. O
fato que todos devem se perguntar é se o envelhecimento mudou ou está mudando
algo em nossa vida. Conseguimos com o tempo ser menos bloqueados, inseguros,
avarentos, covardes, ou apenas potencializamos tudo isso? Será que o final de
uma vida não poderia trazer algo mais reconfortante do que a pura e simples
morte?
Mesmo a mudança tem um efeito
absolutamente relativo. A relação de casais nos mostra que mesmo quando um dos
dois efetua uma alteração radical de comportamento, pouco influi no julgamento
do outro, pois o passado sempre trará uma sentença sumária ou fará o papel de
um tribunal de exceção.
Autoconhecimento
caminha em paralelo com o saber reagir adequadamente no momento oportuno. Todo
ser humano desejaria voltar ao passado para resolver tão dilacerante dilema
pessoal. Se alguém investe em nossa pessoa por alguma necessidade deveríamos
ser gratos; por prazer deveríamos nos sentir honrados. Tão simples conceito é
simplesmente negado no cotidiano de nossas relações. Tudo se esvai, ao
contrário da pregação incessante da poesia e sistemas ilusionistas. O que sobra
certamente é a busca inesgotável e atávica presente em todo ser humano por
compreensão, independente de sua cultura, neurose ou estado de espírito. Enfim,
ou evoluímos mental e espiritualmente, ou apenas ficaremos com o avanço da
medicina em prolongar por mais dez, vinte ou trinta anos alguns prazeres
fisiológicos e materiais, mas também será prolongado todo nosso tédio, raiva e
consternação perante a inutilidade de estruturas sociais e pessoais que vivemos
criticando, mas que somos os maiores responsáveis por sua perpetuação. Autoconhecimento
se divide em duas partes: os elementos intrínsecos ao ser humano
independentemente da época, e quais valores históricos determinam suas
atitudes. A alienação e fuga das pessoas perante seu íntimo não têm um
fundamento apenas político e social. Nossa era prova que a dependência é a
causa máxima do medo de transpor algo. Dá-se algo reconfortante para o ser
humano, e observamos o mesmo entrar em pânico perante o temor de perdê-lo. O
vício há muito tempo é a tônica de nosso cotidiano, sendo que acaba causando
uma enorme cegueira no sentido da vida. Como é que permitimos chegar a ponto
de temer conhecer algo, quando nossa lei básica é a finitude? O problema é
que todos acabam se especializando numa única área em detrimento de outros
fatores essenciais para o bem estar psíquico. Somos portadores de deficiência
no amplo espectro da dimensão da vida, talvez resida nesse ponto todo o
preconceito do ser humano; projetando falhas no exterior para encobrir sua
limitação. Ninguém admite sua barreira; o narcisismo que o diga, ou então
lembremos de nossa prepotência na adolescência. É até engraçado o fato de
sermos tão arrogantes numa etapa da vida onde possuímos tão pouco, e à medida
do envelhecimento nos tornarmos tão exigentes. Isto é o mais puro mecanismo da
compensação, caso não aprofundemos nossa busca interna seremos sempre reféns de
um estilo de vida propagado pela ideologia reinante.
BIBLIOGRAFIA: KRSHINAMURTI, JIDDU. A PRIMEIRA E ÚLTIMA LIBERDADE.
EDITORA CULTRIX 1986.
QUALQUER REPRODUÇÃO APENAS MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DO AUTOR.